Quando se escreve sobre o ateísmo, parece ser regra geral desenvolver a argumentação partindo do ponto de vista religioso. Contudo, eu pretendo discorrer sobre esse tema sem tocar em religião, colocando-me na posição de ateu.
Logo que um bebé nasce, surge do corpo da mãe o leite, uma substância completa e necessária à sua formação. Por meio disso, a criança cresce normalmente, e quando nascem os primeiros dentes, os pais oferecem-lhe alimentação adequada à mastigação. Assim, ela vai vencendo várias fases de seu desenvolvimento, até atingir a idade adulta. Em relação aos alimentos, que representam um papel muito importante nesse processo, cada um tem seu sabor, e o ser humano, que possui o sentido do paladar, se alimenta deles com prazer, absorvendo as calorias necessárias. Creio ser este o maior de todos os prazeres humanos.
À medida que o corpo físico cresce, a inteligência é desenvolvida por meio da educação escolar entre outros e, assim, o ser humano se torna capaz de exercer as funções normais de um adulto. Surgem-lhe, então, diversos desejos, despertando nele a sede de conhecimento, orgulho, competitividade e inventividade. Também vêm à tona os desejos físicos, como os prazeres mundanos, o namoro e outros.
Dessa maneira, por meio da alternância dos sofrimentos e alegrias, e da interação da razão e do sentimento, o ser humano reúne as condições de um ser superior e torna-se apto para participar da vida social.
Escrevi, em linhas gerais, sobre o curso da vida humana, desde o nascimento até a vida adulta. Consideremos, agora, a Grande Natureza.
Tudo o que existe no Universo é criado e desenvolvido pela força da Grande Natureza: os fenómenos naturais, visíveis ou não, a atividade dos astros, a alternância das estações do ano e as variações climáticas, bem como os animais, os vegetais e os minerais, que possuem relação direta com a vida do ser humano. Esta é a própria imagem do mundo. Observando a Natureza de forma serena e objetiva, e sem ideias preconcebidas, qualquer pessoa – a menos que seja desprovida de sensibilidade –, fica sem palavras, embevecida com seu encanto.
A Natureza é dotada de mistério profundo e insondável. Ninguém pode deixar de pensar nas questões como: Quem criou este mundo tão magnífico e com que propósito? Infinito é o Céu que contemplamos e desconhecida é sua extensão. Como se apresenta o centro da Terra? Qual a temperatura do Sol e da Lua? Qual o número certo de estrelas, o peso exato do globo terrestre, o volume da água dos oceanos? Questões dessa ordem são inumeráveis.
Quanto mais pensamos, mais ficamos abismados com o movimento ordenado dos astros, a formação da noite e do dia, o fenômeno das estações do ano, a divisão do ano em 365 dias, a evolução de todas as coisas, o progresso ilimitado da civilização etc. Quando surgiu este mundo? Até quando ele existirá? Ele é eterno ou não? Qual o limite da população mundial? E o futuro da Terra? Tudo permanece envolto em mistério.
Todas as coisas e seres estão em eterno movimento, sem a mínima falha ou atraso, obedecendo a uma ordem estabelecida.
Ainda nos deparamos com questões como: Por que viemos a este mundo e que papel devemos desempenhar? Até quando poderemos viver? Voltaremos ao Nada, após a morte, ou existe o desconhecido Mundo Espiritual, onde iremos habitar em paz? As reflexões sobre o assunto nos deixam ainda mais confusos, permanecendo na obscuridade. Dizem os budistas: “A realidade é um vazio, e o vazio é uma realidade.” Não há outro qualificativo senão dizer que o mundo é uma existência vasta, ilimitada e infinita.
Com a pretensão de desvendar este mundo misterioso, há milhares de anos, o ser humano vem empregando todos os meios, principalmente os estudos. Entretanto, só uma pequena parcela é conhecida, permanecendo o restante em mistério. Isso demonstra a insignificância da inteligência humana em relação à Grande Natureza. A expressão “vazio e silêncio”, também citada pelos budistas, mostra isso.
A vaidade humana, em sua tola presunção, excede-se a ponto de querer subjugar essa mesma Natureza. Sábio é aquele que, antes de mais nada, procura conhecer a si mesmo, submete-se a ela e participa de suas bênçãos.
A propósito, analisando este mundo cheio de mistérios, existe uma questão que mais nos chama a atenção: “Quem construiu este mundo maravilhoso e o governa à sua vontade?” Procuremos imaginar quem é esse ser.
Um lar é governado pelo chefe da família; um país, pelo rei ou presidente. Logicamente, neste mundo também deve haver um protagonista. E quem poderia ser senão aquele que é chamado pelo nome de Deus? Não encontro outra conclusão. Por conseguinte, negar a Deus significa negar o próprio mundo e a própria existência dos ateus. Tal lógica não permite dúvidas. Se alguém não a compreende, coloca-se em um plano semelhante ao dos animais, que
são destituídos de sonen e inteligência. Tal pessoa poderia, então, ser considerada um animal com forma humana. A maior prova disso é que o ateísmo gera criminosos cujos pensamentos e atos, em sua maioria, são animalescos.
Minha missão é extirpar das pessoas essa característica, fazendo-as evoluir ao nível de verdadeiros seres humanos. Em outras palavras, tudo isso significa empreender a reforma do ser humano. E a condição básica para tal é a derrota do ateísmo.
6 de Janeiro de 1954
Alicerce do Paraíso vol. 1